Uma Lição de Ética dos Bombeiros de Otavalo

Uma Lição de Ética dos Bombeiros de Otavalo

Essa é uma lição de ética dos bombeiros de Otavalo, Equador, ocorrida num dia frio, chuvoso e carrancudo nas montanhas equatorianas, no meio da Cordilheira dos Andes.

Uma Lição de Ética dos Bombeiros de Otavalo na Montanha de Mojanda, Otavalo, Equador
Montanha de Mojanda, Otavalo, Equador

Antes uma pequena lembrança conceitual. Em uma visita institucional ao SENAI Ary Torres, o então diretor da instituição, prof. Marcelo Virgilio, ensinou uma definição de ética, que jamais esqueci. Ele disse: “Ética é fazer o certo quando ninguém está vendo”.

Nosso grupo de exploradores e o atoleiro

Muito bem, na Expedição América do Sul, em uma incursão a Mojanda, região de Otavalo, Norte do Equador, a nossa caminhonete atolou duas vezes; na primeira saímos com dificuldade, porém cem metros a frente, deslizou na lama e afundamos novamente, dessa vez bem profundo. Era por volta de 13h.

Eu, Denise, Angela e Gabino
Eu, Denise, Angela e Gabino

Éramos quatro pessoas, um brasileiro, uma brasileira, um mexicano e uma sueca, que por ela não falar espanhol e nem português, a comunicação era só em inglês. Tentamos desatolar a caminhonete, por quase uma hora e meia, sem sucesso, numa região montanhosa, isolada, sem sinal de celular, tempo ruim, com o próximo povoado a mais de vinte quilômetros. A garoa fina transformou-se rapidamente em chuva grossa, piorando a já difícil situação.

Em busca de socorro

Como havia uma  placa indicando um refúgio, Gabino, o mexicano, se propôs a ir até lá em busca de ajuda. Voltou mais de uma hora depois sem nada encontrar. Então, nos lembramos que avistamos uma casa ao longe, uns cinco quilômetros a sudoeste de nós. Fomos, o mexicano e eu até lá, enquanto as duas mulheres esperavam no carro. Depois de muito caminhar na chuva e na lama, em subidas e descidas íngremes e escorregadias, percebemos que a casa parecia ser um refúgio. Muito cansados e enlameados, chegamos ao tal lugar, encontramos um tipo de guarda florestal, que também estava incomunicável com a civilização e sozinho, não podia abandonar o posto, logo, pouco poderia fazer e apenas nos deu o número da polícia.

Gabino completamente sujo e molhado do esforço de tentar desatolar
Gabino completamente sujo e molhado do esforço de tentar desatolar

Voltamos ao local do carro, molhados, exaustos e famintos. A tarde caindo e a noite chegando, o frio e a chuva aumentando e a fome apertando. Decidimos que a melhor alternativa seria ir em direção a civilização e, caso encontrássemos alguém, pediríamos ajuda, ou continuaríamos até chegar em alguma cidade, e que, ao menos, um de nós ficaria no veículo.

Os três foram a procura de ajuda e eu permaneci no local, ainda tentando desatolar o carro e buscando sinal de celular. A pouca água já estava chegando ao fim, a lama só aumentava com a chuva e com as tentativas frustradas de sair do atoleiro.

Uma eterna e angustiante espera

Passadas três horas de muito caminhar em condições totalmente adversas, o grupo regressou, pois conseguiram encontrar alguém, que chamou a emergência e informou que os bombeiros nos resgatariam. Estávamos pouco otimistas, pois essa comunicação foi muito difícil e não havia certeza de que entenderam nossas dificuldades e localização, estava escuro, o tempo ruim e o acesso péssimo. Decidimos passar a noite ali e quando amanhecesse,  iríamos a pé à cidade contratar um reboque. Dividimos cobertores e sacos de dormir para nos aquecermos o melhor possível e amenizar o cansaço, esquecer a fome e racionar a pouca água.

Acaminhonete com todo o lado direito atolado na lama e todo o assoalho no chão impedindo a tração para desatolar
Acaminhonete com todo o lado direito atolado na lama e todo o assoalho no chão impedindo a tração para desatolar

Duas horas depois, por volta de 19h, saí para uma averiguação e vi luzes ao longe, avisei os demais e fizemos de tudo para chamar a atenção, mas as luzes sumiram e o desânimo quis aparecer, mas  após uma hora, novas luzes surgiram, agora mais próximas, comecei a acionar pisca alerta e sinalizar com a lanterna de mão.  Já os avistava claramente: eram quatro bombeiros subindo a pé, o veículo deles não pode chegar ao nosso local. A esperança tinha chegado. Nos cumprimentamos e apresentamos a situação, logo os bombeiros começaram o trabalho deles e nós os auxiliando na medida do possível.

O esforço para resolver o problema

Era impressionante o tamanho do esforço físico e equilíbrio emocional daqueles quatro homens para nos ajudar. Em meio a lama, frio, chuva e noite, eles com lanternas, pás, enxadas e nós fornecendo cordas, cabo de aço, macaco, facão etc. Concluídas duas horas de trabalho intenso e muito esforço,  as 22h, conseguiram desatolar a caminhonete. A festa foi geral. Nossa e deles.

Dentre várias fotos, agradecimentos e curiosidades recíprocas, chamei o que parecia liderar o grupo e disse que gostaria de presenteá-los em forma de agradecimento, se isso era aceitável e se não seria ilegal, pois, de verdade, queríamos de, alguma forma, recompensá-los por nos ajudar. Ele respondeu que não era nenhum problema e que seria um prazer. Peguei uma quantia em dólares, divisível em quatro, que eram os membros da equipe, e entreguei a eles. Eles simplesmente recusaram! Sem sequer saber o valor. Disseram ter entendido que o presente era algo que representasse nosso país, ou nossa expedição e que fosse dedicado a corporação e não a eles individualmente. Agradeceram e afirmaram que não aceitariam dinheiro.

Uma nobre e inesquecível lição

Estávamos no meio do nada, éramos estrangeiros, os bombeiros eram pessoas simples, não havia nada ali e nem ninguém além de nós, portanto, eles poderiam ter aceitado e jamais alguém saberia, mas não o fizeram. Nos disseram que já eram pagos para nos servir daquela maneira e que só executaram seu trabalho.

Todos nós ficamos absolutamente surpresos com aquela atitude. Então ofereci, e eles aceitaram a “sagrada” bandeira do meu time de coração. Fizeram uma festa inesquecível naquele meio do nada. A alegria deles e a nossa era contagiante, emocionante, e fazia daquela noite de chuva, lama, dor, apreensão, solidão, fome e frio, um dos momentos mais felizes e orgulhosos da nossa expedição.

Imediatamente, me lembrei do meu amigo do SENAI e vimos o seu ensinamento na prática. Aprendemos, mais uma vez, que ÉTICA É FAZER O CERTO QUANDO NINGUÉM ESTÁ OLHANDO e a reafirmação da, já conhecida, tese de que recompensa  não se limita a dinheiro e reconhecimento é tão, ou mais, valoroso quanto o aspecto monetário.

Essa reflexão também poder encontrada no Linked In do autor.

Uma lição de comprometimento, ética, eficicácia, responsabilidade e solidariedade. Muitíssimo obrigado Bombeiros de Otavalo – Equador, por nos ajudar e nos ensinar.

O maior reconhecimento que os bombeiros aceitaram foi a bandeira do Palmeiras como presente

Reginaldo Costa

Meu nome é Reginaldo de Almeida Costa (meus amigos e familiares me chamam de Tecko), sou Executivo de Recursos Humanos, autor do livro “Resenhas de Caminhonete”, amante de leitura, cultura, artes, esportes, entusiasta da defesa do meio ambiente, populações indígenas e povos originários, defensor da causa animal e também pirado em viagens. Acredito fortemente que o ser humano é capaz de coisas incríveis. Me considero um lutador por um mundo melhor, sou praticante de esportes, razoável jogador de futebol, aprendiz de cozinheiro, péssimo dançarino. Dispenso videogames, mas respeito quem gosta. Tenho um currículo invejável como excelente jogador de bolinha de gude, melhor construtor de pipas, radical piloto de carrinhos de rolemã, fanático por sorvete de massa (aquele das abelhas), que evoluiu aceleradamente para skatista amador. Sou poeta de whatsapp, cartunista de guardanapos, fazedor de risoto, escritor noturno e “bloguista”. Considero que viver a vida ainda é o melhor jeito de ser feliz! Muito prazer!

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